terça-feira, 25 de março de 2008

Um outro "A caminho de Kandahar"



“Os meninos ainda podem cantar nas vielas de kandahar”, ressoa uma rouca voz naquele deserto do oriente. E lá, ajoelhado e com um desafinado lamento islâmico, está o Menino do Cemitério a cantar.

Ao longe ele percebe a aproximação de uma mulher. Uma Misteriosa Mulher. Ele curiosamente se aproxima e tenta tecer um diálogo com a forasteira. Quando percebe então que se trata de uma afegã, mas que há muito vive distante de sua terra. Ela trocou o castigante deserto pela neve. Ela mora no Canadá, na parte ocidental do planeta.

O Menino do Cemitério percebe que a Misteriosa Mulher precisa de ajuda. Ela precisa de um guia para chegar a Kandahar. “O que uma mulher tão bela – pois lhe revelou a face, ao retirar o hijab do rosto – busca se aventurando por tão hostil deserto”, pensou o menino.

Eles combinam um preço. O garoto, rejeitado das madrazas onde se preparam guerreiros para a jihad, segue a frente da Misteriosa Mulher. Assaltantes, saqueadores e outros perigos rodavam-lhes no caminho. Mas, seguiam firmes em seus propósitos.

Mas, qual era mesmo o motivo da ida a Kandahar? Perguntou-se o astuto Menino.

- Preciso encontrar minha irmã e salvá-la. Ela não pode mais ficar neste inferno, nesta guerra sem limites. Revelou a mulher.

O propósito do Menino do Cemitério era apenas ganhar alguns dólares e fazer algumas estripulias, como quando encontrou um cadáver em decomposição e assustou a Misteriosa Mulher, que correra em disparada pelo deserto.

Na viagem a mulher não se sente bem e o Menino do Cemitério a leva a um médico.

- Fiquei doente na viagem. Não sei se foi a água do poço ou medo que tive do cadáver ou da violência que vejo em toda parte, até nas brincadeiras das crianças. Disse a mulher ao médico.

O médico não era afegão. Era um afro-americano disfarçado, pois acreditava na luta. Que luta?! Nem ele mesmo saberia responder...

O médico fica intrigado com a presença do menino e avisa à Misteriosa Mulher que ele pode representar um perigo. E aconselha-a a pagá-lo e despedir-se dele.

Ela assim o faz.

- Não entendi muito porque ela não quis mais meus serviços. Talvez tenha me achado fraco para enfrentar os perigos vindouros. Um adulto seria mais seguro. Ou ficou com medo de mim, por causa de alguma coisa que aquele médico falou? Não sei... Falava consigo mesmo o Menino do Cemitério.

- Fui embora, mas antes insisti para ela aceitar um presente: um lindo anel de esmeralda que peguei na mão daquele cadáver, no deserto. Foi tão engraçado ver aquela Misteriosa e bela Mulher correndo feito uma louca e eu atrás apontando para ela o anel do morto. Foi divertido!

- Depois disso tive uma má notícia dela...

A mulher tinha partido com o médico que resolveu lhe ajudar. No caminho conversavam sobre os acontecimentos no país. “Armas são a única coisa moderna no Afeganistão”, disse o médico à ela.

...soube que ela encontrou um acampamento onde médicas voluntárias ajudavam pessoas com os membros decepados pelas bombas. Davam-lhes muletas. Um dos beneficiados conseguiu um disfarce para a Mulher Misteriosa que dizia levar “mil razões para a irmã - que morava em Kandahar - viver”. Ela se juntou a um grupo que seguia em procissão rumo a Kandahar. Era uma festa de casamento...

Antes de seguir com o grupo a Mulher pediu ao médico que proferisse a um gravador de voz algumas palavras de esperança para sua irmã. “A esperança, em situações difíceis, é água, pão e amor”, foi o que pronunciou o médico.

...Mas, algo deu errado. Uma blitz parou o grupo e revistou-os, descobrindo assim a Mulher Misteriosa. Foi o fim! Ela não chegou à Kandahar, nem tão pouco encontrou sua irmã. A água, pão e amor se transformaram em horror! Não há esperança aqui.

- Corta!!! Exclama Arnald, o diretor do curta metragem gravado no Afeganistão.

- Vocês foram belíssimos! Terão um dia de folga. Podem descansar à vontade, só tenham cuidado: a história do nosso filme é bastante verossímil!

Saamiya, que significa “mulher altiva”, a “Mulher Misteriosa” do curta, gostaria de ir a Kandahar para pegar alguns vídeos editados por sua irmã Saalima. Então, Nabi Muhammad, o “médico” e Hizam, que interpretou o “Menino do Cemitério”, se propuseram a acompanhá-la. Afinal, seria mais seguro e eles poderiam passar o texto da seqüência do filme.

No caminho, Saamiya se impressiona com a quantidade de armas nas mãos das pessoas, inclusive de crianças.

- Parece que armas são a única coisa moderna no Afeganistão?! Exclama assustada a atriz.

- Pois é! Responde Nabi Muhammad.

A viagem prossegue sem maiores perigos. Quando de repente, às portas da cidade de Kandahar, eles são surpreendidos por soldados.

- Iremos revistá-los! Grita com cara de poucos amigos um raivoso soldado.

A vistoria começa e um dos soldados encontra o passaporte de Saamiya. O documento é de origem norte-americana e isso poderia gerar problemas. O soldado mais nervoso do grupamento indagou a atriz sobre o motivo da sua ida a Kandahar.

- Preciso pegar alguns vídeos editados com minha irmã Saalima, que mora aí! Disse Saamiya.

- Não sei o que é isso! Rebateu indiferente o soldado.

- Seja moderno, vídeos editados são gravações que passaram por um estúdio e estão prontas para assistir! Respondeu a atriz, com leve ironia.

- Armas são a única coisa moderna no Afeganistão! Disse enfurecido o soldado.

E assim, o curta metragem não pôde recomeçar, e nem tão pouco Saamiya pôde encontrar sua irmã. A água, pão e amor se transformaram em horror! Não há esperança aqui.

Fecham-se, então, as cortinas! Aplausos contagiantes saíram da platéia que lotou o teatro.

Na saída do espetáculo teatral as pessoas comentavam o contexto histórico da peça.

- Você viu?! Estamos no século vinte e um e armas são a única coisa moderna no Afeganistão!

- É mesmo! A água, pão e amor se transformaram em horror! Não há esperança lá.


Fotos: Europa Filmes

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Admirável mundo novo!




“Bem vindo ao admirável mundo novo”! Assim definem, os mais entusiasmados, a inserção recorrente de elementos cibernéticos no dia-a-dia das sociedades, o que eles chamam de “Civilização Online” ou Cibercultura.

Espaço virtual, cooperação, flexibilidade e interação, estes são os principais elementos que compõem a Cibercultura. Foi iniciada nos anos de 1950, como defendem alguns historiadores, mas consolidada a partir da década de 1990, por meio da popularização da internet e do surgimento de novas tecnologias.

A possibilidade de aproximar pessoas em todo o mundo é a principal definição de cibercultura. Esse conceito se justifica no uso de espaços de comunicação flexíveis que proporcionam uma relação “todos-todos” tornando o usuário um agente e não só um receptor, como em canais convencionais (TV, rádio, jornal).

Nestes espaços ocorrem trocas e influências mútuas entre os agentes (internautas). As ações mais comuns em ambientes cibernéticos são os compartilhamentos de arquivos, mp3, fotos, filmes, softwares de relacionamento e comunidades virtuais.


Foto: Carlos Eduardo Freitas

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Crônica de um Não fui eu!


Ele é só mais um menino!
- Pô pivete, ce viu aquela equação do primeiro grau?! Miseravona, né?!
- Tu é doido! Deus é mais! Odeio matemática!
- Vamo passar na lan house, e jogar uma partidinha de counter strike?!
- Demoro!!!
De repente, o susto...
- Ô véi, ô véi... Guarda essa arma aí na sua mochila.
- Ta maluco?! Não gosto dessas coisas, não!
- Rapaz, os homi tão aí fora dando bacorejo em todo mundo!
- Cole maluco, deixe o pivete!
- Fique na sua, ô mane!
- Pivete, você é sobrinho de padre, os homi não vão desconfiar de você. Guarda aí meu trabuco, vai!
- Rapaz, num dá não.
- Ô pivete, quem é que está com a arma na mão, heim!? Abre logo essa mochila...
Depois da arma guardada, o dono corre e foge...
- Hei, você aí, de mochila, venha cá.
Trêmulo se aproxima...
- Oi...
- Abre a mochila, vai.
O presente de grego é encontrado pela polícia...
- Tá armado né pivete!
- Não! A arma não é minha. Foi aquele...
Cadê o dono? A essa altura já estava a quilômetros daquele ensejo...
- Foi nada! Ce vai dormir na cadeia, vai vê o sol nascer quadrado, pivete! Há, há, há...
Três dias depois... Com 40 graus de febre, olhos fundos, seus um metro e dez centímetros de pré-adolescência e sua magreza mais aparente do que antes... Deitado em um leito na casa da avó...
- E aí, baixinho, superando a barra?
- Um hum.
- Foi difícil, né?
- Um hum.
Adultos são tão idiotas frente a crianças, frente a problemas...
- Você chorou?
- A noite toda!
Finalmente uma resposta...
- Fiquei só de cueca, deitei no chão frio, não tinha cama, nem lençóis, nem papelão. Fez muito frio á noite. Me deram banho gelado. Fiquei a noite toda acordado.
- Você ficou doente por isso, né? Eles te maltrataram?
Um chato e incômodo silêncio... Quer maltrato pior do que ser confundido e tratado como um bandido? Ser preso, humilhado e insultado? Isso na cabeça de qualquer adulto seria terrível, imagine na cabeça de um guri...
- O cara que me botou nessa vai acabar pagando!
- Não, rapaz, não pense nisso. Vingança, sentimentos ruins só nos atrapalham. Pense em ficar bem. Não se preocupe, a justiça tarda mais não falha.
A do homem, a de Deus...
- Ta, agora vou dormir.Talvez, só o sono o ajude a esquecer marcas tão cruéis impressas em sua vida. Ele, que é mais um menino vítima da violência urbana. E a maioridade penal, devemos mesmo diminuí-la?

Ó panós, do Pelô, ó!


Na única terra em que “Aonde” quer dizer “Não”, em que os nativos “não nascem, estréiam” e que a cada instante surge uma “arte” nova, “Ó paí ó” não é estranheza, mas sim confirmação. Confirmação de quê? Da singularidade de um povo que inventa alternativas criativas para sobreviver numa realidade de dores.
O espetáculo “Ó paí ó” do Bando de teatro Olodum, que iniciou sua trajetória teatral no início da década de 1990, é uma encenação da dura rotina dos moradores e transeuntes do Pelourinho, em Salvador. Com uma boa dose de comédia - outra não tão boa de palavrões - dramas sociais são realçados por cada personagem: Pobreza, exploração sexual, discriminação, e o principal, o extermínio de crianças envolvidas, ou não, no submundo da criminalidade.
Com texto e direção de Márcio Meirelles, ex-diretor do Bando e atual Secretário de Cultura do Estado da Bahia, a trama possui um elevado grau de verossimilhança com a ambiência urbana contraditória do Pelô, endossada com o figurino e o cenário de Zuart Júnior. A “gringalhada” querendo “ser negro, e os pretos querendo virar branco”. A frase proferida pela baiana de acarajé – na peça, interpretada pela atriz Rejane Maia – contextualiza a inserção cada vez maior de outras culturas misturando-se com a nossa. Mas, nisso não há problemas. O problema é quando crianças, em extrema condição de miséria, são “apagadas” de uma cena bonita do nosso cartão postal, para não causar problemas para os lojistas e seus clientes internacionais. A polícia é quem faz o “difícil” trabalho de limpeza. Coisa que fazem sem reclamar [ou pior, reclamam quando alguém mostra isto!].
Essa crítica social é retratada em “Ó pai ó” de modo a fazer o público sair do teatro com muitas interrogações sobre o seu real papel na sociedade, mesmo sendo uma comédia. A forte trilha sonora, de Jarbas Bittencourt, que é tocada e cantada pelos atores – ao vivo -, ajuda a proliferar essa crítica, por meio das raízes do samba reggae. “Ó paí ó” teve uma primeira montagem apresentada em 1992, contando com a atuação do ator Global Lázaro Ramos, que na época era integrante do Bando e pelas atrizes, também ex-integrantes, Tânia Tôko (Nelzão da Rocha, dona do bar), Edvana Carvalho (Dona Lúcia, vendedora da Loja de Sr Gereba) e a surpreendente e talentosa Luciana Souza - Dona Joana, a crente, proprietária do Cortiço.
Ó pai ó! O espetáculo teatral é tão sólido em sua riqueza artística e em sua crítica da realidade social que virou filme. O longa metragem dirigido pela baiana Monique Gandeberguer trouxe de volta Lázaro, junto com outro baiano de sucesso nas telinhas, Wagner Moura, além de outros atores da Rede Globo e do elenco da peça. O filme é sucesso total na Bahia [os camelôs que o diga] e invadiu o Brasil com as gírias, as mandingas, o sofrimento e a alegria do povo baiano.

quinta-feira, 15 de março de 2007

Big Brother do Horror!

“Menino, pare de sonhar! Dinheiro não cai do céu!”. Certamente, você já deve ter ouvido esta frase. E esta também: “vou me inscrever no BBB para ganhar 1 milhão!!!”? Acho que sim, né?! Porém, ganhar um milhão no BBB é bem difícil. Primeiro você teria que passar por uma seleção dos produtores do programa, que, sabe lá Deus como é feita. Depois, você precisaria bancar o garoto(a) ‘politicamente correto(a)’, bancar o defensor da moral, da sinceridade, ‘falar na cara’ (mesmo que seja um insulto disfarçado de sinceridade), ser ‘bonitinho(a)’, se fazer de vítima (mesmo que seja o maior manipulador), ou seja, ser um lobo-mal na pele de um cordeirinho. Ou, para ser mais real, se disfarçar de Diego-Alemão. Aí sim, talvez você virasse um novo milionário meteórico.
Quanto à celebre frase do dinheiro que não cai do céu, quem a pronunciou pela primeira vez estava certo. Precisamos trabalhar - suar a camisa ou se refrescar num escritório com ar condicionado -, jogar na loteria ou na ‘Paratodos Bahia’, na esperança de ganhar um prêmio ‘gordo’, senão o ‘din-din’, o ‘bambar’, o ‘faz me rir’, a grana não aparece.
Mas, numa tarde de tempo instável, comum na região da grande Salvador, um montão de dinheiro caiu do céu, frustrando o criador ou criadora da contundente frase ‘Dinheiro não cai do céu!’. Foi como ganhar o BBB cinco vezes. “Eu queria tá lá para pegar a ‘minha ponta’”, “isso mesmo, os políticos roubam um bocado, esse dinheiro é merecido para quem o ganhou”. É, essas afirmações seriam justas se não fosse a cruel realidade que está por detrás delas.
Mais de cinco milhões de reais caiu mesmo do céu na tarde do último dia 14. Mas, a questão é que esse dinheirão estava sendo transportado num avião que desabou numa fazenda próxima a cidade das Candeias, ou seria dos novos milionários?! Seria até um desabafo, dada a atual situação de má distribuição de renda, desemprego e corrupção no país, dizer que foi uma atitude certa de quem apanhou os milhões e sumiu. Mas, essa atitude torna-se horrenda quando sabemos que em meio as quantias estupendas de reais estavam quatro corpos - os pilotos e os tripulantes (dois seguranças) - que não sobreviveram à queda.
Um ou mais pode ter sido os (in)felizes que ganharam essa bolada. Só temo o peso na consciência que esse ou esses ‘achadores’ dos cinco milhões caídos do céu terá(ão).
Prefiro dar crédito a máxima popular que diz que ‘bufunfa’ não cai do céu, e, correr atrás do lucro. E, claro, descartar qualquer hipótese de um dia ser eu um dos ganhadores desse Big Brother do Horror!
Deus que me livre!!!