sexta-feira, 15 de junho de 2007

Ó panós, do Pelô, ó!


Na única terra em que “Aonde” quer dizer “Não”, em que os nativos “não nascem, estréiam” e que a cada instante surge uma “arte” nova, “Ó paí ó” não é estranheza, mas sim confirmação. Confirmação de quê? Da singularidade de um povo que inventa alternativas criativas para sobreviver numa realidade de dores.
O espetáculo “Ó paí ó” do Bando de teatro Olodum, que iniciou sua trajetória teatral no início da década de 1990, é uma encenação da dura rotina dos moradores e transeuntes do Pelourinho, em Salvador. Com uma boa dose de comédia - outra não tão boa de palavrões - dramas sociais são realçados por cada personagem: Pobreza, exploração sexual, discriminação, e o principal, o extermínio de crianças envolvidas, ou não, no submundo da criminalidade.
Com texto e direção de Márcio Meirelles, ex-diretor do Bando e atual Secretário de Cultura do Estado da Bahia, a trama possui um elevado grau de verossimilhança com a ambiência urbana contraditória do Pelô, endossada com o figurino e o cenário de Zuart Júnior. A “gringalhada” querendo “ser negro, e os pretos querendo virar branco”. A frase proferida pela baiana de acarajé – na peça, interpretada pela atriz Rejane Maia – contextualiza a inserção cada vez maior de outras culturas misturando-se com a nossa. Mas, nisso não há problemas. O problema é quando crianças, em extrema condição de miséria, são “apagadas” de uma cena bonita do nosso cartão postal, para não causar problemas para os lojistas e seus clientes internacionais. A polícia é quem faz o “difícil” trabalho de limpeza. Coisa que fazem sem reclamar [ou pior, reclamam quando alguém mostra isto!].
Essa crítica social é retratada em “Ó pai ó” de modo a fazer o público sair do teatro com muitas interrogações sobre o seu real papel na sociedade, mesmo sendo uma comédia. A forte trilha sonora, de Jarbas Bittencourt, que é tocada e cantada pelos atores – ao vivo -, ajuda a proliferar essa crítica, por meio das raízes do samba reggae. “Ó paí ó” teve uma primeira montagem apresentada em 1992, contando com a atuação do ator Global Lázaro Ramos, que na época era integrante do Bando e pelas atrizes, também ex-integrantes, Tânia Tôko (Nelzão da Rocha, dona do bar), Edvana Carvalho (Dona Lúcia, vendedora da Loja de Sr Gereba) e a surpreendente e talentosa Luciana Souza - Dona Joana, a crente, proprietária do Cortiço.
Ó pai ó! O espetáculo teatral é tão sólido em sua riqueza artística e em sua crítica da realidade social que virou filme. O longa metragem dirigido pela baiana Monique Gandeberguer trouxe de volta Lázaro, junto com outro baiano de sucesso nas telinhas, Wagner Moura, além de outros atores da Rede Globo e do elenco da peça. O filme é sucesso total na Bahia [os camelôs que o diga] e invadiu o Brasil com as gírias, as mandingas, o sofrimento e a alegria do povo baiano.

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